sábado, 23 de abril de 2011

Os Amigos

"Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria 
por mais amarga."

Eugénio de Andrade


quinta-feira, 21 de abril de 2011

Nós as duas

"Ninguém te recordará por teus pensamentos secretos."
Gabriel Garcia Marquez

domingo, 10 de abril de 2011

Quando a noite por mim entra

"Sou a tua casa, a tua rua, a tua segurança, o teu destino. Sou a maça que comes e a roupa que vestes. Sou o degrau por onde sobes, o copo por onde bebes, o teu riso e o teu choro, o teu frio e a tua lareira. O pedinte que ajudas, o asilo que te quer acolher. Sou o teu pensamento, a tua recordação, a tua vontade. E também o artesão que para ti trabalha, o medo que te perturba e o cão que te guia quando entras pela noite. Sou o sítio onde descansas, a árvore que te dá sombra, o vento que contigo se comove. Sou o teu corpo, o teu espírito, o teu brilho, a tua dúvida. Sou a tua mãe, o teu amante, o marfim dos teus dentes. E sou, na luz de outono, o teu olhar. Sou a tua parteira e a tua lápide. Os teus vinte anos. O coração sepultado em ti. Sou as tuas asas, a tua liberdade, e tudo o que se move no teu interior. Sou a tua ressaca, o teu transtorno, o relógio que mede o tempo que te resta. Sou a tua memória, a memória da tua memória, o teu orgulho, a fecundação das tuas entranhas a absolvição dos teus pecados. O teu amuleto e a tua humildade. Sou a tua cobardia, a tua coragem, a força com que amas. Sou os teus óculos e a tua leitura. A tua música preferida, a tua cor preferida, o teu poema preferido. Sou o que significas para mim, a ternura que desagua nos teus dedos, o tamanho das tuas pupilas antes e depois de fazer amor. Sou o que sou em ti e o que não podes ser em mim. Sou uma só coisa. E duas coisas diferentes."
Joaquim Pessoa

sábado, 9 de abril de 2011

A caminho de lugar nenhum

Começo a acostumar-me à viagem.
O barulho das ondas silencia-me o pensamento.
A solidão tornou-se um vício.
Hoje os golfinhos vieram ver-me caminhar e por momentos a praia foi nossa.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Não me peçam razões

Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.
Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.
Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e de destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de Primavera que há-de vir.
José Saramago

Nuvem

"...Precisava sobreviver. Precisava urgentemente de sair de mim próprio, vaguear sem rumo a caminho de parte nenhuma, para regressar a mim só quando ela já não me habitasse. Só se encontra verdadeiramente a paz, quando a encontramos dentro de nós..."
João Morgado (Diário dos Infiéis)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Feitio

foto Sara
"Eu sou feito
de Sonhos interrompidos
detalhes despercebidos
amores mal resolvidos
...Sou feito de
Choros sem ter razão
pessoas no coração
actos por impulsão
Sinto falta de
Lugares que não conheci
experiências que não vivi
momentos que já esqueci
Eu sou Amor e carinho constante
distraída até o bastante
não paro por instante
Tive noites mal dormidas
perdi pessoas muito queridas
cumpri coisas não prometidas
Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
pensei em fugir,para não enfrentar
sorri para não chorar
Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
amizades que não cultivei
aqueles que eu julguei
coisas que eu falei
Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
lembranças que fui esquecendo
amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo."
Martha Medeiros

segunda-feira, 4 de abril de 2011

As coisas secretas da alma

"Em todas as almas há coisas secretas cujo segredo é guardado até à morte delas.
E são guardadas, mesmo nos momentos mais sinceros,
quando nos abismos nos expomos, todos doloridos,
num lance de angústia, em face dos amigos mais queridos 
porque as palavras que as poderiam traduzir seriam ridículas, mesquinhas,
incompreensíveis ao mais perspicaz.
Estas coisas são materialmente impossíveis de serem ditas.
A própria Natureza as encerrou não permitindo que a garganta humana pudesse arranjar sons para as exprimir  apenas sons para as caricaturar.
E como essas ideias entranha são as coisas que mais estimamos, falta-nos sempre a coragem de as caricaturar.
Daqui os «isolados» que todos nós, os homens, somos.
Duas almas que se compreendam inteiramente, que se conheçam,
que saibam mutuamente tudo quanto nelas vive  não existem.
Nem poderiam existir.
No dia em que se compreendessem totalmente  ó ideal dos amorosos! 
eu tenho a certeza que se fundiriam numa só.
E os corpos morreriam."
Mário de Sá-Carneiro, in 'Cartas a Fernando Pessoa' -->