sábado, 28 de novembro de 2009

Na Preia-mar dos sentidos, espero por mim.

Mãos
"Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos,
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo meu sonho,
dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas."
Cecília Meireles

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O Sorriso

"Sorriso, diz-me aqui o dicionário, é o acto de sorrir.
E sorrir é rir sem fazer ruído e executando contracção
muscular da boca e dos olhos. O sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas
pobres definições, e eu pasmo ao imaginar o autor
do dicionário no acto de escrever o seu verbete,
assim a frio, como se nunca tivesse sorrido na vida.
Por aqui se vê até que ponto o que as pessoas
fazem pode diferir do que dizem.
Caio em completo devaneio e ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exactamente, o sentido das palavras e transformasse em
fio-de-prumo a rede em que, na prática de todos os dias, elas nos envolvem. Não há dois sorrisos iguais. Temos o sorriso de troça, o
sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico,
o sorriso de esperança, o de condescendência,
o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de quem morre.
E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso. O Sorriso (este, com maiúsculas) vem sempre de longe.
É a manifestação de uma sabedoria profunda,
não tem nada que ver com as contracções
musculares e não cabe numa definição de dicionário.
Principia por um leve mover de rosto, às vezes
hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais
secretas camadas do ser.
Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se.
Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são
rápidos clarões, com esse brilho súbito e inexplicável
que soltam os peixes nas águas fundas?
Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor
do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu?
E contudo era um sorriso"
José Saramago

domingo, 22 de novembro de 2009

Secreto Aroma

"O olfacto é uma vista estranha. Evoca paisagens
sentimentais por um desenhar súbito do subconsciente."
F.Pessoa

Depois do Sol...

"Na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira."
Goethe

sábado, 21 de novembro de 2009

Durante a Chuva...

"Conseguimos encontrar tantas dores quando a chuva cai..."
John Steinbeck

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A Palavra Mágica

"Certa palavra dorme na sombra de um livro raro. Como desencantá-la? É a senha da vida a senha do mundo. Vou procurá-la. Vou procurá-la a vida inteira no mundo todo. Se tarda o encontro, se não a encontro, não desanimo, procuro sempre. Procuro sempre, e minha procura ficará sendo minha palavra." C.D. Andrade

domingo, 8 de novembro de 2009

Espera

"Dei-te a solidão do dia inteiro. Na praia deserta, brincando com a areia, No silêncio que apenas quebrava a maré cheia A gritar o seu eterno insulto, Longamente esperei que o teu vulto Rompesse o nevoeiro." Sophia de Mello Breyner Andresen

Só'mente, Ama'dor.

"Certas palavras não podem ser ditas
em qualquer lugar e hora qualquer.
Estritamente reservadas
para companheiros de confiança,
devem ser sacralmente pronunciadas
em tom muito especial
lá onde a polícia dos adultos
não adivinha nem alcança.
Entretanto são palavras simples:
definem
partes do corpo, movimentos,
actos do viver que só os grandes se permitem
e a nós é defendido por sentença dos séculos.
E tudo é proibido. Então, falamos."
Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Às vezes abro a janela

"Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz. Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim." Cecília Meireles